“Como assim ele caiu da cadeira?” — uma Viagem de Carro
Esta manhã foi calma — quase calma demais para um dia de transição.
Acordaram os dois sem eu precisar dizer muito. Tínhamos tudo preparado desde a noite anterior: as mochilas junto à porta, a roupa dobrada, a energia certa. Carregámos o carro, pusemos música e saímos a horas. Tudo a fluir exatamente como devia.
A meio da viagem, o Manuel pediu-me para baixar o volume.
E, com aquele ar sério que fazes quando tens algo mesmo importante na cabeça, perguntaste-me:
“Pai, como assim o Salazar caiu da cadeira e morreu? Aonde? Na sala, no quarto, no escritório?”
Sorri. Não porque fosse engraçado, mas porque era tão teu — curioso, específico, inesperado.
E percebi que, afinal, eu próprio não sabia bem a história. Sempre ouvi o que quase toda a gente ouve: que António de Oliveira Salazar, o ditador português, caiu da cadeira e morreu. Mas nunca soube exatamente como ou onde isso aconteceu, nem se era mesmo assim.
Então, enquanto conduzia, perguntei ao ChatGPT para nos contar a história.
A versão que ouvimos falava dele sentado numa cadeira que cedeu — e, pela primeira vez, ouvi mais detalhes do que a simples frase dos livros de escola, “caiu da cadeira”. Mais tarde, já com tempo, fui confirmar e percebi algo importante:
os historiadores não estão todos de acordo sobre o que realmente aconteceu.
A maioria das fontes diz que, em agosto de 1968, depois de mais de trinta anos no poder, Salazar estava na sua residência de verão em Estoril, no Forte de Santo António da Barra, perto de Lisboa. Num dos dias, tentou sentar-se numa cadeira de lona, que cedeu (ou ele perdeu o equilíbrio), e acabou por cair, batendo com a cabeça. Essa queda provocou uma hemorragia cerebral — uma lesão grave que o deixou incapaz de governar.
Outros relatos posteriores dizem que ele poderá ter caído na banheira e não propriamente da cadeira. Ninguém sabe ao certo o que aconteceu passo a passo. Mas há algo em que todos concordam:
nesse verão, ele sofreu uma queda séria na casa de verão, que lhe causou uma lesão cerebral e pôs fim à sua vida política.
Depois da queda, foi hospitalizado e entrou em coma. Enquanto estava incapacitado, o Presidente substituiu-o discretamente por outro primeiro-ministro. Quando Salazar recuperou alguma lucidez, nunca lhe contaram que já não estava no poder.
Durante quase dois anos, até morrer em 1970, viveu convencido de que ainda governava — dava “ordens” que ninguém cumpria, reinando apenas dentro do seu quarto e da sua imaginação.
Essa imagem ficou comigo — um homem que passou a vida inteira a tentar controlar um país e que, no fim, perdeu o controlo até da própria realidade.
Disse-vos naquela manhã, e repito agora: sim, Salazar foi um ditador, e sim, muita gente sofreu por causa do regime dele. Mas também é verdade que, no início, trouxe uma certa ordem a um país perdido no caos. Portugal estava fragilizado, e ele estabilizou-o. Por isso, algumas gerações mais velhas ainda o lembram como o homem que trouxe calma depois da confusão — sobretudo durante a Segunda Guerra Mundial, quando quase toda a Europa ardia e Portugal se manteve fora do conflito.
O problema é que ele nunca mudou.
Ficou preso no tempo — acreditando que a disciplina e o silêncio podiam durar para sempre.
Há uma frase de um dos meus filmes preferidos, o Batman do Christopher Nolan, que diz:
“Ou morres como herói, ou vives o suficiente para te tornares no vilão.”
Foi exatamente isso que lhe aconteceu.
Talvez tenha começado como alguém que queria mesmo ajudar o país, mas tornou-se alguém que já não conseguia ver para além das suas próprias regras. E esse é o perigo de nunca te questionares — de acreditares que estás sempre certo.
Disse-vos também que hoje há quem o odeie e quem o defenda. Uns odeiam-no porque eles próprios ou as suas famílias sofreram sob o regime. Outros defendem-no porque só recordam o sentido de ordem e estabilidade dos primeiros anos. Ambos os lados fazem parte da nossa história.
E é por isso que compreender a história não é escolher um lado.
É ter curiosidade suficiente para ver o quadro inteiro.
Se há algo que quero que guardem desta conversa é isto:
Nunca deixem de fazer perguntas, mesmo as estranhas.
Sobretudo as estranhas.
E não repitam apenas o que os outros dizem — pensem por vocês próprios.
É assim que se aprende, não só quem foram os outros, mas quem vocês querem ser.
Portanto, sim, Manuel, a história do homem que “caiu da cadeira e morreu” é em parte verdadeira — mas a realidade é mais complexa, como quase tudo na vida.
E talvez essa seja a lição mais importante de todas.
— Pai